Menos tolerância, por favor!

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Apesar de considerar, em tese, como uma boa proposta, o termo “tolerância” é muito mais carregado de vieses negativos do que supomos à primeira vista. Faz parte de um discurso pretensamente conciliatório que, na verdade, põe um véu no que, de fato, deveríamos estar olhando: o preconceito.

Aquele que tolera sugere um ar de superioridade ao tolerado. Tolerar, que pode ser bem entendido como suportar ou aguentar, dá um status de super-humano aquele que o faz. Afinal, não precisamos suportar quem nos é igual. O pai e a mãe toleram a as artimanhas do filho, pois sabe que faz parte do aprendizado. O adolescente tolera os sermões dos pais, pois só assim eles o deixarão sair ou ficar na internet até mais tarde. O motorista tolera os malabaristas nos sinais pois acredita que controla a vida dos artistas de rua com sua moeda de um real na mão. O hétero, quanto usa a palavra “tolerância”, acredita ser superior àqueles que não o são. Ou o branco que discursa não haver racismo, porque há tolerância racial.

O discurso da tolerância estimula o preconceito, ao invés de combatê-lo. Ao se colocar como superior, o tolerante está subjugando o tolerado. Ou seja, se uma pessoa diz que tolera os ciganos, não só está se credenciando a ser “melhor”, mas também, comparativamente, desprezando a cultura alheia. O discurso de parte das pessoas do sudeste em relação aos do nordeste do país, mostra muito isso.

Quando se fala em tolerância, fala-se no estabelecimento de limites de tudo aquilo que pode ser considerado exótico. “Tudo bem ser gay, mas não precisa demonstrar isso em público. ” “Se for fazer uma tatuagem, faça em um lugar no corpo que você possa esconder”. “Se fuma maconha, pelo amor de Deus, nunca comente isso a seu pai ou sua avó”. “Quer ser defensor de direitos humanos, que seja, mas não vá namorar uma prostituta ou uma travesti nem vá trazer um índio para casa”. “Você é tão linda, mas por que essas trancinhas?” Quem já ouviu a “tolerância” já ouviu algo parecido.

No entanto, acredito que essa abordagem favorece algo ainda mais radical: um estímulo a violência.
Ao se estabelecer como superior e ditar as regras de como deve agir o “tolerado”, a violência passa a ser permissível – na visão deles, bem entendido – como aceitável. Não é por menos que vez por outra vemos discurso de ódio contra gays e travestis. Não é por serem, simplesmente, pois eles já toleram. É por passar dos limites! É por colocar um casal de idosas fazendo o papel de lésbicas (como se fosse uma modinha que passasse com a idade). É por fazer uma propaganda em que homens se dão perfumes. É por uma travesti reinterpretar um personagem bíblico.

A culpa de uma possível violência policial não é do despreparo de alguns profissionais e da forma como foram criados e treinados. É do negro que usava uma boina muito colorida, ou do grupo de jovens (negros) que estava a perambular altas horas da noite. Ou seja, o discurso da tolerância estimula a violência sobre os tolerados, posto que estes “passaram” dos limites.

A tolerância é o discurso de uma pretensa harmonia por satisfazer uma lógica de mercado e de bom-mocismo. Aqui, confesso, estar emprestando um pouco dos conceitos de Slavoj Zizek e Leandro Karnal, dois autores que tenho lido e visto muito. Nota-se que ninguém diz que tolera a pedofilia. Ela é, – ainda bem – rechaçada em nossa sociedade, ainda que suavizada por parte da igreja nos inúmeros casos ao redor do mundo em que envolve a instituição, pois “precisa” ser preservada. A mesma coisa se diz de alguns atos ilícitos cometidos por pastores evangélicos. O mesmo se diz a respeito da corrupção dos políticos, altamente condenável, mas pouco ou quase nada sobre os empresários corruptores. Quando muito, culpa-se uma empresa, um setor, ou um ou outro dirigente como exceção a ser punida. O famoso bode expiatório, mas, ao mesmo tempo, dá-se invisibilidade ao que é sistêmico.

O mesmo pode-se dizer em relação ao conceito do “Bandido bom, é bandido morto”. Embora uma parcela direitista fervorosa defenda abertamente esse mantra, você não encontra um eco aberto defendendo aqueles que o fazem, sendo os casos, como o do Amarildo, sendo tratado como uma exceção, posto que parte da sociedade ecoou que a vítima não seria um suspeito, de fato.

Ainda que muitos duvidem da sua inocência, acreditando na ação policial ou, mais provavelmente, camuflando novamente seu preconceito, não é justo dizer que você encontre um discurso que diga que tolera a execução de suspeitos, desde que pobres e preferencialmente homens, jovens e negros.
Quem defende os direitos humanos, com certeza não tolera. O discurso da tolerância é, então, o discurso da inclusão seletiva e condicionante. Seletiva porque rotula aqueles estereótipos politicamente corretos dentro de padrões que os tornam “consumidores comuns”, aptos a serem cidadãos; e seletivo posto que não podem sobressair dos seus lugares.

O discurso da tolerância remete ao símbolo de status social da madame que exibe a empregada doméstica paramentada. “Vejam como eu sou legal, levo minha doméstica à churrascaria aos domingos”. Ainda que na verdade ela esteja trabalhando e devidamente uniformizada para que não seja confundida como um membro da família ou do restrito círculo de amigos. E que não se engane, se os patrões, ou os filhos deles, não encontrarem algo seja lá de que valor, antes de achar que esqueceram em algum lugar, irão apontar à “tolerada”, como suspeita principal.

O discurso da tolerância é o uniforme social que esconde o verdadeiro preconceito. Não tolere. Respeite!

André Alves é jornalista em Cuiabá-MT

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