A crise no abastecimento hídrico deve durar muitos anos, avisa Carlos Nobre

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Portal Ambiental - Um dos mais respeitados cientistas brasileiros da atualidade, o climatologista Carlos Nobre disse hoje em Brasília que a crise no abastecimento hídrico no país não tem previsão de acabar. Isso significa que teremos que aprender a viver com menos água e encontrar soluções que visem o uso adequado dos recursos hidroenergéticos. Ex-secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Nobre participou da audiência pública na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que acompanha a crise hídrica no Brasil.

Segundo Nobre, “não podemos cair na ilusão que saímos do período crítico da estiagem, e nem contar que as chuvas vão voltar ao normal”. Ele destaca que o regime de chuvas tem mantido o padrão escasso dos anos anteriores, e que pode ser considerado um sinal do clima do futuro. “Esse fator pode ser atribuído em parte às mudanças climáticas que estão acontecendo, visto que estão previstos períodos de estiagem prolongada e chuvas intensas em curtos períodos”.

Porém, a crise hídrica não tem solução a curto prazo, diz o cientista, mesmo que sejam reduzidas as emissões de gases de efeito estufa. “Temos que nos adaptar às mudanças climáticas e reconhecer que o problema existe, mesmo que seja uma situação que não estávamos acostumados a enfrentar”.

São Paulo, por exemplo, viveu recentemente a maior crise hídrica dos últimos 80 anos. Nos primeiros três meses de 2014, choveu na região menos da metade do esperado para o período. A estiagem não foi de uma hora para a outra. Desde 2013, a chuva já estava abaixo da média na região.

Como medida para a crise, a companhia saneamento do estado de São Paulo (Sabesp) diminuiu a pressão do abastecimento e começou uma campanha de conscientização da população. Houve uma redução de mais de 50% do consumo. Hoje está sendo extraído cerca de 15m3 por segundo do Sistema Cantareira, quando, há um ano, essa média superava 30m3. “Então o que está sendo retirado do Cantareira é menos da metade do que se tirava há um ano”, ressalta Carlos Nobre.

Agora se não fosse essa redução considerável do consumo de água em São Paulo, a região teria entrado em colapso. “Mas ainda não há uma solução simples de engenharia que permita interligar todos os consumidores de água e energia em São Paulo e que vise uma saída imediata para a crise”, destaca. Neste mês, por exemplo, o Cantareira já opera em 15% da sua capacidade.

As saídas, na avaliação de Nobre, devem partir do princípio de um desenvolvimento sustentável que vise um baixo consumo de água, menor oferta do recurso, investimento em saneamento básico, reuso, e projetos de recuperação de matas ciliares e redução do desmatamento florestal. “São atividades que devem ser lançadas em conjunto. A oferta de mais água é uma solução que não pode ser única, e deve ser acompanhada de ações de restauração das áreas degradas, visto que as florestas são importantes para manter o fluxo de água no período seco”, explicou.

Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), é preciso que as matas ciliares e áreas degradadas sejam recuperadas urgentemente conforme prevê o Código Florestal, pois “o que está vindo por aí é muito grave”. Ele considera “desesperador” o cenário previsto pelo cientista Carlos Nobre, principalmente porque sociedade não está consciente sobre essa crise. “São Paulo ainda não acordou. Veio a chuva e apagou a crise da memória do brasileiro”.

Tatto disse ainda que quem mais sofre os efeitos das mudanças do clima, do manejo inadequado do solo e das florestas, são as comunidades pobres. E as consequências sentidas por elas serão cada vez maiores", lamentou.

Solos

O agrônomo Paulo César do Nascimento, da Universidade do Rio Grande do Sul, fez uma apresentação durante a audiência sobre a importância dos solos na questão hídrica. Ele ressaltou que os solos são fonte e suprimento de água e processadores de carbono orgânico, mas que a sua degradação tem colocado em risco a manutenção de reservatórios hídricos. Para o especialista, a erosão do solo é uma das principais ameaças, pois é responsável pelo assoreamento de rios e contaminação dos cursos d´água.

Nascimento destacou que a palavra “solo” aparece cerca de 30 vezes no novo texto do Código Florestal e não é por acaso. “É preciso considerar a importância das APPs para o uso da terra de acordo com a aptidão em uma visão sistêmica. Assim como a Reserva Legal, a conservação de biomas e ecossistemas. São as florestas que estão produzindo água”, informou o especialista.

Diagnóstico

Essa foi a segunda audiência da Comissão Especial que acompanha a crise hídrica no Brasil. O presidente do colegiado, deputado Celso Pansera (PMDB –RJ), disse que o objetivo é aprofundar os estudos sobre os problemas hídricos e avaliar os 42 projetos de lei e as cinco propostas de emenda à Constituição relacionadas à água que tramitam hoje no Congresso Nacional.

Celso Pansera ressaltou que uma das etapas do trabalho do colegiado é fazer um diagnóstico da situação atual da crise da escassez de água para buscar soluções a longo prazo. Na audiência anterior, realizada em maio, foram ouvidos o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas, Vicente Andreu Guillo; e o coordenador-geral de Operações e Modelagens do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, Eduardo Mário Mendiondo.

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