Deroní Mendes* - Questionada em um evento sobre os porquês na queda da nota alcançada pelo estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDEB em relação ao ano anterior a Secretária de estado de Educação de Mato Grosso Rosa Neide apontou o “baixo nível cultural” da população do estado devido a ser um estado de origem indígena e africana e aos problemas econômicos. “Não podemos esquecer que o Estado é de origem indígena e quilombolas e ainda enfrenta problemas econômicos", afirmou a secretária conforme reportagem publicada no site RDNews no último dia 25/06.
Ainda estou indignada. Não imaginei ouvir uma declaração de natureza tão preconceituosa, racista e etnocêntrica de alguém que ocupe um cargo tão importante no governo. Não esperava tamanha falta de educação.
Mato Grosso, um estado que apresenta tamanha diversidade cultural com uma população indígena estimada em quase 60 mil indivíduos de 43 etnias diferentes. Com 65 comunidades quilombolas reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultura Palmares é triste e lamentável perceber que nós negros e índios continuamos sendo apontados como atrasados intelectualmente e nossa origem costumes e cultura que tanto nos orgulha agora é oficialmente responsável pela nota Baixa alcançada pelo Estado no IDEB.
Se os povos indígenas e afrodescendentes apresentam baixo desempenho escolar é porque são em sua maioria pobres moram nas periferias das cidades ou na zona rural e estudam em escolas publicas que na maioria das vezes são de péssima qualidade. Não por culpa dos profissionais, mas sim pela falta de investimento do estado em infra-estrutura e materiais e equipamentos pedagógicos e salários digno aos profissionais.
O Capítulo II da Constituição Federal que trata dos direitos sociais em seu Artigo 06 dizer que : “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Já o Artigo 205 na Seção I do capítulo III que trata da educação, da cultura e do desporto é contundente e diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O Estado não desempenha de forma eficiente seu papel de oferecer uma educação escolar de qualidade a todos seus cidadãos. E nós afrodescendentes quilombolas e indígenas, minorias étnicas secularmente excluídas e marginalizadas além de sermos os mais afetados agora também somos os culpados.
Não é preciso muito para perceber que o governo federal, estados e municípios através de seus gestores têm falhado e não têm garantido aos brasileiros independente de raça, cor, religião e orientação sexual tenham as mesmas oportunidades e direitos de igualdade conforme reza sua constituição e qualquer regime democrático principalmente no que se refere a educação, saúde e moradia. Porém, na prática, não tem assumido sua incapacidade e também não há sinalização de mudança para atuar de forma eficiente a humana junto aos povos indígenas e afrodescendentes.
Há algo de bizarro na forma com que MT tem tratado os indígenas e agora o afrodescendentes ultimamente. A todo custo quer remover os Xavantes de Marãiwatsédé para o Parque estadual do Araguaia e regularizar os não indígenas invasores e desmatadores com o nobre discurso de que é para se evitar conflitos violentos e que a terra para a qual serão levados os Xavantes é maior e se encontra bem mais preservada. E agora quer aludir a sociedade atribuindo aos indígenas e afrodescendentes a nota baixa alcançada pelo estado no IDEB. Totalmente na contramão da história.
Enquanto afrodescendente que atua junto aos povos indígenas em MT, digo que: “Mato Grosso é mais por você que não é negro ou indígena. “Um estado de oportunidades" que só se orgulha de sua diversidade cultural em propagandas para atrair turistas onde nós afrodescendentes e indígenas somos tratados como seres exóticos. Já como seres humanos somos inferiores. Nossos direitos ainda que estejam previstos e supostamente assegurado na Constituição, são irrelevantes. Somos tratados como um atraso ao crescimento econômico.
É tão raro fazer algo em benefício dos povos indígenas e afrodescendentes que quando fazem não se cansam de divulgar Brasil a fora os feito Mato Grosso, Brasil e Mundo a fora em todas mídias possíveis: "Mato Grosso é o primeiro estado que...." , "o único a...", "está entre os estados que...". Ah, sim, estava esquecendo. Não abrem mão de uma declaração nossa ressaltando quão bom são para conosco em fazer algo que não é mais que o dever.
Não temos acesso à educação de qualidade. E não aceitamos a acusação infundada, racista e etnocêntrica de que intelectualmente somos inferiores aos que têm descendência européia.
Melanina a mais não é sinal de neurônios a menos. E, portanto, a declaração da excelentíssima secretária de Estado de Educação é digna de repúdio e pedido de retratação pública. Nós afrodescendentes e povos indígenas de Mato Grosso merecemos ser tratados dignamente como todo e qualquer cidadão brasileiro e matogrossense. Pois é isso que somos. Temos os mesmos direitos e exigimos as mesmas oportunidades.
*Deroní Mendes é geógrafa, filha de agricultores afrodescendentes de Vila Bela-MT e atua na coordenação do projeto de Formação de gestores Indígenas de Mato Grosso pelo Instituto Indígena Maiwu.
Falta tratamento digno aos povos indígenas e afrodescendentes de Mato Grosso
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quinta-feira, 30 de junho de 2011
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