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Má gestão: autoridades do Mato Grosso alteram limites de área protegida pela 5ª vez

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

WWF-BRASIL - As autoridades do Mato Grosso deram um péssimo exemplo de gestão ambiental no final de 2016 - quando modificaram, por meio de decreto editado pela Assembleia Legislativa daquele estado, os limites da Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt. Em 21 anos de existência, essa é a 5ª vez que os limites daquela área protegida são modificados.

A Resex Guariba-Roosevelt é uma pequena unidade de conservação, situada nas cidades de Colniza e Aripuanã, no noroeste do Mato Grosso – a mais de 700 quilômetros de Cuiabá. Ela sofre de uma série de problemas ambientais: grilagem, pesca predatória, poluição de rios, desmatamento, expansão agrícola desenfreada e fiscalização deficitária por parte dos órgãos ambientais.

A alteração de limites, no ritmo que ocorre naquela área, representa um enorme risco à conservação da natureza e ao modo de vida das populações tradicionais. Com esta indefinição, fica difícil para o poder público promover monitoramento e fiscalização por lá. Esta medida gera insegurança jurídica, aumenta a especulação imobiliária e causa mal-estar entre as populações que vivem na área - cerca de 260 pessoas, distribuídas em 54 famílias. Além disso, grileiros e fazendeiros aproveitam esta situação para avançar, cada vez mais, sobre as terras que deveriam ser protegidas e ser manter íntegras.

O documento

O decreto que fala desta quinta mudança de limites é o Decreto Legislativo 51. Ele foi publicado no Diário Oficial do Mato Grosso em 28 de dezembro de 2016 e pode ser lido aqui.

As manifestações contrárias não tardaram a aparecer: a Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva Guariba Roosevelt/ Rio Guariba (Amorarr), que reúne representantes de comunidades tradicionais da região, redigiram uma carta em que chamam a atitude de “retrocesso ambiental” e fazem diversas críticas ao modo como o estado do Mato Grosso tem tratado aquela unidade de conservação.

Um trecho do documento diz: “Este decreto legislativo atesta em seu mais alto poder destrutivo, a falta de capacidade e de vontade em consolidar esta área para uso e segurança das famílias que ali vivem há mais de um século. O retrocesso ambiental é só começo para o massacre cultural de nosso povo. Nossas famílias serão expulsas desta área caso levem esta aberração política à frente”. Eles criaram também um abaixo-assinado, pedindo que o Governo do Estado trate a gestão da Resex com mais seriedade. A imprensa local também começou a repercutir o assunto.

Consolidação

Morador da região e membro do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Everaldo Dutra contou que o governo do Mato Grosso “nunca teve a capacidade de consolidar a reserva”. “Quem sofre com isso é a população tradicional, que não exige nada além de permanecer, em paz, às margens dos rios Guariba e Roosevelt. É aqui onde seus pais e avós estão sepultados, onde eles nasceram e onde estão criando suas famílias. Este é o direito que o estado do Mato Grosso tem negado a esta comunidade”, disse.

Everaldo contou ainda que, apesar das dificuldades, os moradores de colocações como Cujubim, São Lázaro e Bastos não abrem mão daquele território. “A comunidade lutará sempre para que a reserva seja consolidada, para que seu modo de vida seja respeitado e para que o Meio Ambiente seja protegido. Temos fé na Justiça e contamos com parceiros que apoiam nossa causa”, afirmou.

Dúvidas e incertezas

Para a analista de conservação do WWF-Brasil, Jasylene Abreu, a constante redelimitação da Resex prejudica o modo de vida tradicional das comunidades ribeirinhas. “A Guariba-Roosevelt é a única reserva extrativista do Mato Grosso e foi criada justamente para proteger a biodiversidade da área e os meios tradicionais de vivência naquela região. Mexer nesses limites ameaça esse modo de vida tradicional”, disse a analista.

Vários outros problemas também surgem deste gesto: “Essa mudança constante prejudica a gestão daquela área, diminui a efetividade dela, gera uma série de dúvidas e incertezas que não contribuem com o trabalho de proteção da natureza desenvolvido ali”, explicou Jasylene.

Histórico

Desde que foi criada, em 1996, a Resex Guariba-Roosevelt teve seus limites questionados por grileiros e fazendeiros do noroeste do Mato Grosso, que têm interesse em explorar comercialmente os recursos naturais daquela região. Ela foi oficializada por meio do decreto 952 e na época tinha 57,6 mil hectares. Já nessa época, os fazendeiros entraram na Justiça para anular este decreto de criação, alegando que a Resex foi criada sobre suas propriedades.

Seguiram-se uma série de instrumentos jurídicos que ora diminuíam, ora aumentavam o tamanho da Reserva Extrativista: a lei 7164, de 1999; o decreto 8680, de 2007; a lei 1026, de 2015; e decreto 59, de 2015.

O pedido dos fazendeiros chegou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em 2015, promulgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 107240. Ela determinava a inconstitucionalidade do decreto que criou a Resex, ainda na década de 90 – contribuindo com o enrosco jurídico envolvendo esta área protegida.

Esforços pela conservação

O WWF-Brasil entende que, por estar localizada na região conhecida como “Arco do Desmatamento”, a Resex Guariba-Roosevelt é fundamental para manter a biodiversidade e a integridade dos recursos naturais da região, como rios e florestas.

Em 2010, junto ao Governo do Mato Grosso, realizamos a Expedição Guariba-Roosevelt, que não só trouxe subsídios para a redação do plano de manejo da reserva, mas também descobriu, naquelas imediações, uma nova espécie de macaco, o zogue-zogue-rabo-de-fogo. A Resex também faz parte do Mosaico da Amazônia Meridional (MAM), uma iniciativa de gestão territorial que ajuda a proteger cerca de 7,2 milhões de hectares no meio daquele bioma.

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