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Trabalhadores resgatados se qualificam para serviços dignos

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Foto: Tree Pixel
Assessoria - Dezenove trabalhadores, com idade entre 24 e 61 anos, vindos de cidades como São José do Rio Claro, Sorriso, Nobres, Rosário Oeste, Cáceres, Nortelândia, Vila Rica e Cuiabá acabaram de concluir uma formação em operação de máquinas e implementos agrícolas concomitantemente com outra em informática na capital de Mato Grosso. O que uniu esses alunos para a formatura dos cursos, que aconteceu nesta quinta-feira (12) foi o fato de que eles foram submetidos a trabalhos em condições análogas à escravidão ou se encontram em condições vulneráveis.

Os cursos foram oferecidos a partir do Ação Integrada, uma iniciativa da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Mato Grosso, do Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso (MPT), da Universidade Federal do Mato Grosso, por meio do Núcleo de Assistência Social e de Direito, e com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Conta, ainda, com diversos parceiros representantes do setor público, privado e da sociedade civil, entre eles o sistema “S”, por meio do SENAR, SENAI, SENAC e SESI. Além de promover a qualificação profissional, os cursos contribuem para a valorização e aumento da autoestima dos alunos. “Tão ou mais importante que a qualificação profissional, é a possibilidade desses trabalhadores se reconhecerem como cidadãos”, explica Pablo de Oliveira, coordenador executivo do Ação Integrada.

Um desses trabalhadores é Leumar de Jesus, de Vila Rica, na divisa entre Tocantins e Pará, onde atualmente exerce a profissão de pedreiro de forma autônoma. Casado e pai de três filhos, já foi resgatado duas vezes de fazendas onde era obrigado a permanecer por dívidas financeiras. A primeira vez, em 2002, foi em Redenção, no Pará. “A gente trabalhava na fazenda fazendo a roça, mas quando a gente terminava um lote a gente devia na feira e precisava fazer outro lote e a gente ficava devendo de novo”, explica Leumar. Só conseguiu sair após uma ação de fiscalização deflagrada pelo Ministério do Trabalho e pela Polícia Federal, que libertou dezenas de pessoas na região. Apesar da experiência degradante, cinco anos depois, desta vez em Vila Rica (MT) onde passou a morar e constituir uma família, novamente foi submetido ao endividamento na fazenda em que trabalhava, o que o impedia de deixar o local. Sua libertação ocorreu graças às ações de fiscalização que o resgatara com outras seis pessoas da fazenda.

Apesar de estar fora do trabalho escravo há oito anos e de ter uma profissão, sem qualificação há sempre o risco de voltar a situações semelhantes. “Trabalho como pedreiro, mas é sempre bom fazer cursos como este de tratores agrícolas, onde a gente aprende a fazer gradeação e nivelamento do solo, o que dá uma oportunidade a mais pra gente”, complementa.

Durante dois meses, Leumar e outras 19 pessoas participaram da capacitação em operador de máquinas e implementos agrícolas, que contou com apoio do Sindicato Rural de Cuiabá e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR-MT). “Este é um dos cursos que estão no portfólio da instituição que a gente oferece de forma gratuita em todos os municípios do estado, de acordo com a demanda”, explica Natalino da Costa, supervisor regional do SENAR-MT. “A base da economia do estado é no setor agrícola, então nós temos uma necessidade muito grande em qualificar pessoas para uma área em constante expansão”, completa.

Esse mesmo grupo também fez curso de informática básica com o apoio da UFMT, em sala de informáticas disponíveis para a população. À noite ainda tiveram aulas de reforço escolar ofertada de acordo com o nível de ensino de cada aluno. O curso intensivo propiciou a cada um avançar um nível escolar, além de capacitá-lo profissionalmente, auxiliando na busca de empregos. Este curso teve apoio da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – SEDUC e do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Almira Amorim e Silva – CEJA.
“É muito rico ver a mudança das pessoas em relação à autoestima e no sentimento de serem reconhecidos como cidadãos”, aponta Pablo, coordenador da Ação Integrada. Ele explica que quando eles chegaram à parceira Pastoral dos Migrantes, onde estão hospedados e tem as refeições, muitos nem conversavam. “Mas no final destes dois meses a mudança é muito significativa”, anima-se.

Para Pablo, o grande diferencial desses cursos promovidos pelo Ação Integrada, com apoio de diversos parceiros, é a construção da dignidade. Mato Grosso está sempre entre o segundo ou terceiro lugar no ranking de trabalhadores em regime análogo à escravidão, mas muitos desses trabalhadores não se reconhecem dessa forma, o que dificulta a busca por melhores condições de trabalho e cidadania. “Coisas simples como ir ao shopping, ser atendido por serviços públicos ou ter uma conta em banco eram inalcançáveis até essa qualificação”, complementa Pablo.
Com essas mudanças, espera-se que não voltem às condições degradantes. Para além do curso, o Ação Integrada busca parcerias como as do grupo Amaggi e o grupo Bom Futuro que podem dar uma chance à contratação desses formandos no surgimento de novas vagas nas empresas dos grupos.

Sobre o Ação Integrada

O Ação Integrada teve início em 2009 e viabiliza uma série de articulações com entidades públicas, privadas e da sociedade civil para discutir as variáveis que levam o trabalhador e sua família à condição de vulnerabilidade e ao trabalho escravo. Além disso, presta atenção às vítimas e suas famílias, além de identificar e estabelecer parcerias em prol de uma ação coordenada de combate ao trabalho escravo.

Parte dos recursos vem de multas referentes ao não cumprimento das normas trabalhistas ou de taxas resultantes destes Termos de Ajustamento de Conduta de empresas e proprietários que mantinham trabalhadores em condições de trabalho forçado e total degradância.

Como resultado, de 2003 a 2014, 1.645 trabalhadores foram resgatados dos trabalhos forçados. O Ação Integrada já realizou a abordagem de mais de 1.820 trabalhadores egressos do trabalho análogo à escravidão ou vulneráveis a essa situação em 83 municípios de Mato Grosso. Destes, 693 trabalhadores foram qualificados e alfabetizados pelo programa.

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