Deroní Mendes* - Sensibilizar e
convencer a sociedade e o poder publica quanto a catástrofe ambiental, social e
econômica que as mudanças climáticas e o aquecimento global representam para os
povos e comunidades tradicionais depende de como esta realidade é abordada e
mostrada nos meios de comunicação.
Os alertas dos pesquisadores tem se mostrado
ineficientes e insuficientes para mostrar ao mundo e convencer os governantes
quão grave é o aquecimento global e o quanto isso afeta a sobrevivência dessas
comunidades. A impressão que se tem é que tais problemas ainda acontecerão
futuramente. Todos se dizem preocupados e prometem estudar providências. Em
breve.
É imprescindível um olhar diferenciado para
as conseqüências das mudanças climáticas e aquecimento global sobre as
populações rurais denominadas comunidades ou povos tradicionais, porque
dependem não só da terra para o cultivo de espécies agricultáveis e para a
criação de animais, mas principalmente porque elas apresentam um grau de
dependência maior dos recursos naturais disponíveis no ecossistema onde vivem
para a sobrevivência cultural, social, política religiosa e econômica do grupo que
outros segmentos sociais.
As populações rurais não são iguais. Os
povos tradicionais ainda têm no extrativismo uma importante fonte de
sobrevivência, pois gerações após gerações construíram um vasto conhecimento
sobre a dinâmica dos ecossistemas nos quais estão inseridos e a utilização dos
recursos naturais disponíveis, pois além da necessidade da sobrevivência da
geração presente, é preciso estabelecer regras de uso a fim de garantir que o
uso não comprometa sobrevivência das futuras gerações. O uso e acesso devem
estar ao alcance de todos os membros do grupo. E é extremamente importante para
elas viver e sobreviver no território outrora ocupado por seus antepassados
As comunidades tradicionais possuem um amplo
conhecimento sobre a biodiversidade e o meio onde se localizam seus
territórios. Nestas comunidades o uso das águas, da terra das florestas, e
outros seres vivos estão intrinsecamente ligados a oferta de alimentos, bem
como identidade cultural, social política religiosa e econômica do grupo com aquele
território. Sendo assim não é difícil perceber que são os grupos mais
vulneráveis aos impactos do aquecimento global e as mudanças climáticas.
É observando a dinâmica do tempo que sabem
quando é o tempo de plantar, tempo de colher determinada planta, tempo de
pescar determinado peixe, caçar determinado bicho. Através da vivência
cotidiana aprenderam tudo ou quase tudo sobre a dinâmica do meio onde vivem
cada espécie de plantas, animais, o regime de chuvas, a melhor época e lugar
para plantar, pescar, coletar determinado fruto, etc.
“A gente tá aqui desde que aqui ainda era
tudo mato. Tudo que a gente sabe a gente aprendeu com nosso pai, nossos tios,
os antigos. Ele viram e foram aprendendo como que são as coisas aqui. Onde mora
cada bicho. Onde tem cada planta. Onde tem mais peixes. Onde é lugar bom
prá plantar. Qualquer nativo que senhora perguntar sabe essas
coisas. Nós não estudou, mas desde criança tá vendo como que é. Como que
os mais velhos faz. A gente vê, presta atenção e aprende. E gente nasceu e
cresceu aqui,né? (...)
Distribuídos em diferentes regiões e
estados, estima-se que atualmente no Brasil ultrapasse 8 milhões o total de
indivíduos que se reconhecem como povos e comunidades tradicionais, nesse
quesito estão incluídos os 242 etnias indígenas do Brasil, quilombolas,
ciganos, pomeranos, ribeirinhos, quebradeiras de côco babaçu, seringueiros,
pescadores artesanais, caiçaras, castanheiros e povos dos faxinais, dos gerais
e dos fundos de pasto.
"(... ) Agora tá muito mudado por aqui.
A nossa vida mudou. Não tem mais aquela fartura que tinha antes. E não to
falando só de bichos porque agora o IBAMA proibiu nóis de caçar. Aqui tem muito
peixe que não tem mais por os rios não tá mais desembocando no outro nem na
cheia mais. Tem muita fruta que quase a gente não vê mais. Roça não ta dando
mais camisa prá ninguém. Muita coisa já tem que comprar tudo na cidade. Tem
gente que já nem planta mais. Já desanimou. Eu ainda faço, e vou continuar
fazendo porque eu acho que a gente não pode perder a nossa tradição e qualquer
um que quiser continuar fazendo sua rocinha e quiser semente crioula eu dou. Tá
certo que não ta rendendo quase nada por que chove (...)".
É preciso dar voz estes povos e comunidades
para que a sociedade brasileira e o mundo reconheça a importância e
necessidade urgente de se promover o uso sustentável e racional da terra, água
e demais recursos naturais são essenciais amenizar o aquecimento global e
principalmente para a sobrevivência desses povos cujo modo de vida são responsáveis
pela manutenção de grande parte das florestas que continuam em pé ainda hoje e
pela diversidade biológica ainda presentes nos ecossistemas.
A mídia tem papel fundamental para que o
estado reconheça que no contexto das mudanças climáticas os povos e comunidades
tradicionais seus territórios o acesso e uso dos recursos naturais, a segurança
alimentar e outros direitos sociais, ambientais, econômicos e culturais estão
sendo desrespeitados, ameaçados ou destruídas por puro descaso e negligência do
poder público para com o direito a cidadania destes povos pela ganância
desenfreada muitos que acreditam que crescimento econômico é sinônimo e
indicador de desenvolvimento de um município, estado, região ou país.
"( ) eu tenho prá mim que os
grandes vai ter um dia que os grandes vai ver que é esse monte de pasto que ta
acabando com a chuva e as vaca dele mesmo ta morrendo por causa disso. A
gente não come capim. Capim não faz nem sombra pro boi. O que deixa a terra boa
prá plantar é arvore. Eu penso assim, que a gente, os bichos os passarinhos,
tudo precisa das arvores até os rios. A senhora pode ver que é em terra de mato
alto que tem mais rios e chove mais. Por isso que terra de mato alto que é bom
de fazer roça. A senhora pode ver que hoje nem chove mais igual no tempo
antigo. Tem rio que já nem enche mais, aí os bichos vão embora. Muitos nativos
também foram embora prá cidade tão lá morando na “arrebarde” trabalhando de
pião porque não tem como ele sustentar a família aqui mais (...)".
Notas
1. As
citações deste texto e as presentes no texto “A população rural na mídia
no contexto das mudanças climáticas e aquecimento global” trata-se de
depoimentos membros das comunidades tradicionais Nossa Senhora da Guia e Nossa
senhora do Carmo na região conhecida como província Serrana entre os municípios
de Cáceres e Porto Estrela no sudoeste de MT coletados entre 2004 e 2005 para o
trabalho de conclusão da minha graduação que tratava do impacto na identidade
cultural das populações tradicionais devido às transformações das terras de uso
comum em terras de uso parcelado.
2. A
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais – PNCT (PL n. 7447/ 2010 ) define como povos e comunidades
tradicionais “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição (...) ”.
3. As
populações rurais dos assentamentos de reforma agrária, não são consideradas
comunidades tradicionais e sim populações migrantes, pois de modo geral são
compostos por agricultores familiares de diversos municípios, estados e até
regiões do país tendo estes um olhar diferenciado sobre o cultivo da terra e
usufruto dos recursos naturais nela disponível.
Nenhum comentário
Postar um comentário