Jussara Souza Oliveira*/Paulo Cesar Nunes** - A região noroeste de Mato Grosso está inserida no arco do desmatamento e caracteriza-se por ser região de fronteira, com dinâmica socioeconômica complexa, onde se destacam extensas áreas com cobertura florestal, baixa densidade populacional e estrutura viária precária, além da existência de conflitos fundiários em torno da exploração dos recursos naturais madeireiros e minerais. A exploração florestal e a pecuária constituem as principais atividades econômicas da região, sendo secundária a atividade agrícola. Todas essas características contribuíram para a implantação do Projeto de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade nas Florestas de Fronteira do Noroeste de Mato Grosso, popularmente conhecido por GEF Noroeste, que busca compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação da biodiversidade por meio de ações relacionadas à consolidação de um mosaico de áreas protegidas e corredores ecológicos. Um dos componentes do projeto é a implantação de Sistemas Agroflorestais – SAFs na região.
Sistema Agroflorestal – SAF é uma forma de uso da terra na qual se combinam espécies arbóreas lenhosas (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos agrícolas e/ou animais, de forma simultânea ou em sequência temporal e que interagem econômica e ecologicamente (CPAA/EMBRAPA). Os SAFs fazem parte das diretrizes centrais de desenvolvimento rural sustentável, pois podem ser implantados em áreas alteradas por atividades agrícolas malsucedidas, contribuindo, desta forma, para a redução do desmatamento de novas áreas de floresta.
Uma situação comum na região é a conversão das áreas das pequenas propriedades em pastagens, em razão do pouco conhecimento dos agricultores sobre agricultura na região tropical e consequentemente o baixo retorno econômico alcançado com o plantio de monocultivos e com a necessidade de uso de insumos externos O Projeto propôs às populações locais a implantação de SAF no entorno de áreas protegidas e nos corredores ecológicos, como forma de gerar alternativas econômicas pautadas na agrobiodiversidade e de garantir a conservação dos remanescentes florestais.
A área deste componente do projeto abrange os municípios de Cotriguaçu, Juruena, Castanheira, Juína, Aripuanã e Colniza. No início do projeto, em 2000, havia uma área de apenas 50 ha sendo trabalhada com SAF nesta região, um número que atingiu 1.400 ha em 2009. O projeto estimula arranjos produtivos de espécies perenes, entre elas café sombreado, cacau, cupuaçu, pupunha, açaí, guaraná e madeiras nativas. Parcerias governamentais (EMBRAPA, EMPAER-MT, CEPLAC, UFMT, INPA e INCRA) viabilizaram cursos, publicações e assistência técnica em SAFs para as famílias cadastradas no projeto. O apoio oferecido pelo projeto possibilitou a normatização de decretos e adequações na legislação estadual, permitindo avanços significativos no transporte e comercialização da produção dessas áreas.
Parcerias com o programa MT-Regional, Banco do Brasil e CEPLAC, por exemplo, permitiram investimentos para que se mantivesse a implementação e assistência técnica aos SAFs, bem como a produção de mudas de espécies agroflorestais para a recuperação de áreas degradadas. Um exemplo do sucesso dos SAFs, alcançado por meio do Projeto, foi a viabilização de 3 fábricas de palmito de pupunha na região, sendo uma delas com certificação orgânica pela ECOCERT Brasil, com um contrato de compra antecipada firmado com a Carpelo S/A para adquirir toda a produção. Simultaneamente, em Juruena, o projeto apoiou a construção de uma fábrica de beneficiamento de castanha do Brasil, que é administrada pela Cooperativa de Agricultores do Vale do Amanhecer-Coopavam. Este produto também foi certificado como orgânico, pela ECOCERT, com comercialização garantida para empresas como Natura Cosméticos, Jasmine Alimentos Orgânicos e Frutos da Terra, além de ser distribuída em 6 Municípios, na merenda escolar de 7 mil estudantes. Esta ação motivou o plantio de 10 mil mudas de castanheira em SAFs pelos agricultores na última estação chuvosa. Um conjunto de estudos de maior escala permitiu gerar um marco de referência dos serviços ambientais, incluindo estoques de carbono, viabilidade ecológica e econômica dos serviços ambientais dos SAFs e de fragmentos florestais, volume de madeira produzida nos SAF e parâmetros de desdobramento e aproveitamento dessa madeira, além de demandas de recuperação de passivo ambiental, georreferenciamento e caracterização do estado de conservação de florestas remanescentes.
Estudos de base legal para manejo de produtos florestais madeiráveis e não madeiráveis complementaram o legado do projeto, que servirá como proposta regional de desenvolvimento para a Amazônia, incluirá SAFs como principal uso da terra e política pública na região e fornecerá a base para projetos de pagamentos por serviços ambientais. Diversas iniciativas de projetos similares de continuidade dessas ações estão em andamento nessa região, como o Projeto REDD-Noroeste, uma iniciativa da SEMA-MT, com as ONGs ICV e TNC, no Município de Cotriguaçu. Em Juruena, o projeto Poço de Carbono Juruena (www.carbonojuruena.org.br), uma iniciativa da ADERJUR, com patrocínio da Petrobras, está recuperando 660 ha de reserva legal através do uso de SAFs em pequenas propriedades. Em breve será lançado pelo projeto o livro Desenvolvimento Agroflorestal no Noroeste do Mato Grosso: Dez Anos Contribuindo para a Conservação da Biodiversidade Regional, apresentado seus principais resultados.
*Analista de Meio Ambiente - CECO/**PNUD
Artigo publicado originalmente no Informativo PanCeFlô 6ª edição, fevereiro de 2011, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA)
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